terça-feira, 28 de junho de 2011

Menina de ouro

Todos os dias o esporte conta histórias dignas dos filmes mais edificantes que o cinema pode produzir. Daquelas que nos emocionam e arrepiam. Daquelas que tocam plateias do mundo inteiro por serem universais. E eu tive a grande sorte de ouvir uma delas da boca de um de seus principais personagens.

Final de um torneio de basquete – o NBA 5x5  para meninas de até 15 anos. De um lado, um tradicional colégio particular de São Paulo, o Batista Brasileiro. De outro, uma escola pública do município do Rio de Janeiro, a João Goulart, que atende predominantemente às comunidades carentes a seu redor. Como sublinhou uma reportagem pós-decisão, "estavam ali, na mesma quadra, duas realidades distintas do Brasil".

Contra todos os prognósticos, o quinteto carioca levou a melhor. Com muita vontade, tênis surrados e uma cesta nos segundos finais, venceu o jogo por 21 a 19 e conquistou a taça.

Só isso já seria matéria-prima suficiente para um roteiro hollywoodiano capaz de arrancar todas as nossas lágrimas. Mas aí é que vem a história de que falei no início.

Ao final da partida, a menina-prodígio do time paulista, Fernanda, ainda que desolada pela derrota inesperada, aproximou-se do treinador adversário para dar-lhe os parabéns. E mais: pedir a ele que não permitisse que Lauane, a autora da tal cesta nos segundos finais, parasse de jogar; tinha certeza de que, se ela continuasse no basquete, chegaria à seleção brasileira.

"E um dia vou poder dizer que já a enfrentei", completou a garota, para logo em seguida se juntar às suas colegas no pódio, a fim de saudar as campeãs nacionais.

O gesto deixou sem palavras o "treinador adversário", o professor Gustavo Rangel  que me contou feliz da vida essa pequena mas inesquecível aventura na Pauliceia entre uma aula e outra na João Goulart (onde por acaso leciono língua portuguesa).

É por atitudes como essa, por ainda existirem pessoas como a Fernanda, tão jovem quanto generosa, craque dentro e fora das quatro linhas, que há razões para acreditarmos – assim mesmo, intransitivamente. Quem sabe aquele comercial do refrigerante não esteja certo de fato? Quem sabe os bons não sejam realmente a maioria?

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Meia-noite no Pacaembu

No mágico Meia-noite em Paris – filme doce até a última gota de chuva, que só poderia ter saído da patisserie de Woody Allen , o escritor Gil Pender viaja até a França dos anos vinte, lugar/época em que sempre sonhou ter vivido, e esbarra com vários craques flanando pelos bares e cafés da cidade: Cole Porter, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Salvador Dali, Luis Buñuel, Pablo Picasso...

Sonho ou desejo semelhante, causou a decisão da Taça Libertadores, entre Santos e Peñarol. Como teria sido delicioso ver o time de Pelé, Coutinho, Pepe e companhia alvinegra dando a bola contra os valentes aurinegros uruguaios nos míticos anos sessenta. Ao som dos Beatles, dos Rolling Stones, da Jovem Guarda.

Mas logo sonho e desejo derretem feito uma pintura surrealista quando penso num cenário sem tevê por assinatura, internet e todas as cores dos anos oitenta. Por isso, é melhor deixar a máquina do tempo na Paris de Woody e me contentar com os meninos da Vila  versão 2011 , que levaram o Santos ao tricampeonato da América.

Não foi fácil. O jogo começou nervoso. Tão nervoso que até Neymar mostrou as travas de sua chuteira para um adversário. Sorte que o árbitro deixou o lance passar, como certa vez passou uma inesquecível cotovelada de Pelé, também num jogador uruguaio. E o primeiro tempo acabou no zero  resultado dos pés descalibrados do Santos e da marcação aguerrida do Peñarol.

Veio o minuto inicial do segundo tempo e, com ele, a arrancada de Arouca, o calcanhar de Ganso, o chute seco e sem firulas de Neymar, a falha do goleiro uruguaio, o gol que abriu o caminho para o título. Era o que faltava para a torcida santista explodir de felicidade – e o Peñarol sair da retranca.

Daí em diante, com espaço para contra-atacar e mais tranquilidade, o jogo do time paulista fluiu melhor. O gol do jovem Danilo, aos 23 minutos, praticamente resolveu a partida. Pois nem o gol contra do bom quarto-zagueiro Durval, aos 34, pareceu ter tirado a certeza de que a vitória seria do Peixe.

(Quase) à meia-noite, o apito final: o Santos voltava a ser o melhor do continente, depois de quase cinco décadas. Com todos os méritos, erguia o troféu um time de garotos que, como boas madeleines, nos fizeram lembrar de um passado relativamente distante, em que nosso futebol era sinônimo de arte. Só faltava mesmo o Rei entrar em campo para a nostalgia ser completa. Bom, não faltou.

sábado, 18 de junho de 2011

O Barcelona de Luxemburgo

Desde que o Barça alcançou o topo do futebol mundial com títulos e mais títulos regados àquele jogo bonito e coletivo  com muita posse de bola, passes rápidos e precisos, além de Lionel Messi, claro , dia após dia surgem técnicos, jogadores e até times inteiros querendo jogar como o onze espanhol.

A última vítima de tamanha pretensão é Vanderlei Luxemburgo, o treinador do Flamengo. Como se não bastasse o sonho, ainda não realizado, de ser o Alex Ferguson da República de Pindorama – ou pelo menos do Ninho do Urubu , Luxa agora cismou de montar seu time tendo como modelo o... Barcelona!

Não que a intenção dele não seja boa. É até louvável que ele e outros professores doutores, como diria Fernando Calazans, se deixem inspirar por bons exemplos. O problema é querer dar um passo maior que a perna. Ainda mais quando você não tem a perna e o pé esquerdo do Messi, o pé direito do Xavi ou o do Iniesta em seu elenco.

Nem o Ronaldinho Gaúcho do Barcelona.

Já passou da hora de Luxemburgo deixar os delírios catalães para o jovem Pep Guardiola. É tempo de ajeitar seu miolo de zaga, ainda que sem Puyol e Piqué; encontrar uma solução para o comando de ataque, mesmo que sem Villa e Pedro; e fazer o Flamengo jogar como... Flamengo! A torcida rubro-negra agradecerá.

domingo, 12 de junho de 2011

28 minutos

Finalíssima da Copa do Brasil entre Coritiba e Vasco da Gama, no Couto Pereira. O placar, dois a dois, dá o título aos cariocas. Os paranaenses precisam de mais dois gols para levar a taça. Aos 22 minutos do segundo tempo, o volante Willian, do Coxa, aproveita um rebote da defesa vascaína e arrisca um inacreditável chute de fora da área. Golaço. No ângulo do goleiro Fernando Prass. Incendeia o Inferno Verde.

E aí começam os tais 28 minutos. Quem sabe os mais dramáticos 28 minutos da história da família cruzmaltina. A mãe grita que o time está recuado demais. O pai deixa o sofá e senta no chão, para ficar mais próximo da tevê e dos jogadores. O irmão, quase sempre tão blasé quando o assunto é futebol, xinga inesperada, impublicavelmente. E eu, assustado, apenas abaixo a cabeça, à espera do pior.

Poucas vezes, em 31 anos de maracanices, abusei tanto do meu sistema ultranervoso. Mãos e pernas tremiam sem o menor pudor. Coração, cabeça e estômago faziam uma ola atrás da outra  como se meu corpinho magrelo fosse a arquibancada de São Januário em dia de final de campeonato. Um caldeirão prestes a transbordar.

Bola na grande área do Vasco... A zaga afasta, o pai corta, a mãe despacha, o irmão isola e eu chuto para o lado que o nariz aponta. O árbitro aponta quatro minutos de acréscimo. A família cruzmaltina dá as mãos. O pouco que falta é uma eternidade. Diego Souza e Felipe, tão destemidos dentro das quatro linhas, se encolhem fora delas. Fecham os olhos. Fecham também os nossos olhos.

Vêm à lembrança os anos truculentos, os anos sem campeonatos, os anos do rebaixamento e do acesso, o pior início de ano dos 113 anos de um clube tão gigante quanto singular. E ainda assim o sentimento não parou. Não podia. Pois família que é família de verdade não desiste jamais  tem amor e esperança infinitos.

Abrimos os olhos. Até o goleiro do Coritiba no ataque. O juiz inventa mais um minuto. A bola vai e volta teimosa: vai com o veloz Éder Luís e volta com os briosos jogadores do time verde. Segundos finais, e ela quica na grande área vascaína pela última vez. Chutamos a derrota para longe. A contagem regressiva desacelera, desacelera...

... até o apito final. Explosão.

sábado, 4 de junho de 2011

Papai Joel existe

O cara era o treinador do Fluminense quando Renato Gaúcho fez o histórico gol de barriga sobre o Flamengo, na final do Carioca de 1995; do Botafogo, quando Dimba marcou o gol do título estadual de 1997 sobre o Vasco; do Vasco, em 2000, quando Romário calou o Palestra Itália ao fazer o quarto tento da Virada do Século sobre o Palmeiras, na finalíssima da Copa Mercosul; e do Flamengo, quando o time da Gávea, numa improvável arrancada, deixou a zona de rebaixamento do Campeonato Brasileiro de 2007 para conquistar uma vaga na Taça Libertadores do ano seguinte.

Apenas por isso, por ter marcado a história dos quatro grandes clubes do Rio – e não só por ser bom contador de causos e alegria dos repórteres nas coletivas , Joel Natalino Santana mereceria fácil o epíteto de Forrest Gump do futebol carioca. O sujeito bonachão, paizão de muitos jogadores, enganador para os torcedores míopes, gostem ou não, está completando trinta anos de uma vitoriosa carreira como técnico.

Claro, derrotas existiram e foram daquelas inesquecíveis. Fantasmas como os de Petkovic e Cabañas ainda devem assombrar as noites de Joel. O primeiro bate aquela falta aos 43 do segundo tempo: bola no ângulo do goleiro Hélton (do Vasco) e tricampeonato para o Fla de Zagallo. O segundo deita, rola e comanda o acachapante três a zero do América do México sobre o rubro-negro em pleno Maracanã, eliminando-o da Taça Libertadores de 2008.

Mas Natalino não viveu só de maracanices. Chegou a buscar a sorte em clubes de outros estados, como Corinthians, Coritiba, Internacional. Talvez quisesse (e ainda queira) provar que não era rei de um reino só. Infelizmente, a garoa paulistana, o friozinho paranaense e gaúcho não o ajudaram, e ele só foi obter algum sucesso na Bahia, onde foi campeão com a dupla Ba-Vi. Nada como o sol e o mar a inspirar um legítimo carioca, que só goza a vida de fato se estiver de chinelos de dedo.

Capítulo à parte na história de Joel foram os meses que passou na África do Sul, à frente da seleção local. Pena ele ter sido demitido às vésperas da Copa do Mundo. Imagino como teria sido divertido vê-lo à beira do campo, de prancheta na mão e inglês na ponta da língua, na competição mais importante do planeta, dividindo holofotes, microfones e afins com alguns treinadores europeus, engravatados da cabeça aos pés...

Por falar em holofotes, microfones e afins, o técnico tem estado bem longe deles. De folga e bermuda desde que deixou o Botafogo (onde levantou mais um caneco estadual, em 2010), Papai Joel parece não ter pressa de voltar à velha rotina de treinos e jogos. Sabe que mais cedo ou mais tarde um filho querido baterá à sua porta pedindo colo...