terça-feira, 24 de maio de 2011

O craque da rodada

Ronaldinho Gaúcho tirou da cartola duas ou três jogadas de efeito no 4 a 0 do Flamengo sobre os reservas do Avaí. Bernardo foi decisivo na virada do Vasco, 3 a 1, sobre o Ceará. Os artilheiros Liedson, do Corinthians, e Kléber, do Palmeiras, fizeram a diferença nas vitórias de seus times sobre os desfalcados Grêmio e Botafogo, respectivamente.

Mas o craque da primeira rodada do Brasileirão não estava em Macaé, nem em Fortaleza, muito menos em Porto Alegre ou São José do Rio Preto. Estava, sim, no Rio de Janeiro, no Engenhão. Entrou em campo às 21:45h do último domingo e, ainda antes de tocar na bola, levantou todas as torcidas. O público parecia prever a exibição de gala que o esperava.

Bastou o pontapé inicial para o veterano camisa dez – que começou a jogar nos campinhos de Liverpool – desfilar sua categoria. Antes dos cinco minutos, já tinha marcado o primeiro golaço. De canhota – seu forte. Depois vieram outros tentos, de todas as maneiras possíveis: de cabeça, peito, bicicleta, carrinho, letra, e que letras. Até de pé direito, que, dizem, não é lá grandes coisas.

Prato cheio para o locutor, que não tinha descanso. Só que, à certa altura, nem a garganta dele aguentou, e o sujeito pediu um intervalo, um stop. Mas logo vinha gol, gol, gol.

O time do craque, inevitavelmente, ganhou de goleada, e a plateia o aplaudiu tanto, que ele foi ao vestiário e voltou ao gramado duas vezes. Apenas para uma prorrogação mágica e pênaltis extras – exigência do árbitro Pimenta, sargento fora das quatro linhas e sócio do Corações Solitários Futebol Clube nas horas vagas.

Prorrogação vencida com notas de saudade iminente, pênaltis convertidos com maestria de gênio, veio o final do jogaço. Delírio no estádio. Obladis e obladás como balões coloridos nas arquibancadas, nos camarotes, na geral, nos corredores. Pena que a vida lá fora tinha que seguir  pelas ruas longas, sinuosas e jamais tão felizes do Engenho de Dentro.

Que não demore muito a segunda rodada...

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A primeira rodada

Começa no próximo fim de semana o Brasileirão. Trinta e oito rodadas para testar a força e a resistência dos vinte principais clubes do país. Com os dribles de Neymar, as assistências de Conca, a velocidade de Lucas, os lampejos de Thiago Neves e a categoria de Montillo, a disputa promete ser das melhores.

Já na primeira rodada temos jogos que podem ser decisivos, especialmente num torneio de pontos corridos, em que o início é tão importante quanto o final.

Santos e Internacional é um deles. O Peixe é candidatíssimo à taça  não só pelos jogadores que tem, mas também pelo treinador, o papa-títulos Muricy Ramalho. O senão é a possível conquista da Libertadores. O título e a consequente preparação para o Mundial mudariam o foco do Alvinegro Praiano. Já o Colorado, apesar do bom elenco, pode sofrer um bocado nas garras ainda inexperientes de Falcão. A não ser que a genuína elegância do ex-jogador inspire D'Alessandro e cia.

Outro confronto dos bons é Fluminense e São Paulo. O time do interminável Rogério Ceni ensaia um carrossel com jeitão de montanha-russa das mais velozes: Lucas, Fernandinho, Dagoberto, Ilsinho e Luís Fabiano formam uma linha de frente que merece toda a atenção. Já o Tricolor carioca, atual campeão e dono de um plantel ainda forte, precisa de imediato se reorganizar fora de campo. A desratização do vestiário das Laranjeiras e a chegada do técnico Abel Braga são um bom começo.

Há também os clássicos Palmeiras e Botafogo, Grêmio e Corinthians – que hoje valem mais pela tradição do que pela qualidade dos times. Ainda sem os reforços pretendidos, Felipão, Caio Júnior, Renato Gaúcho e Tite, respectivamente, terão de improvisar a omelete com os poucos ovos que têm.

Flamengo e Cruzeiro, outros dois favoritos à área vip da tabela, têm missões aparentemente mais fáceis: o campeão carioca encara um Avaí mais preocupado com a semifinal da Copa do Brasil; o mineiro, um Figueirense enfraquecido, que viu da arquibancada Chapecoense e Criciúma decidirem o campeonato estadual.

A tendência é que nossa competição mais importante, diferentemente dos anos anteriores, engrene já nas primeiras rodadas, uma vez que quase todos os cachorros grandes estão fora das fases finais da Taça Libertadores e da Copa do Brasil (exceção feita a Santos e Vasco). O Brasileirão antes do que muitos imaginavam é o que há.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Maracangalha

Era uma vez um reino em que sorriam a ordem e o progresso. Nele abundavam empregos de carteira assinada, ruas asfaltadas, casas atendidas por rede de esgoto, leitos nos hospitais. O transporte público corria os quatro cantos sem sair dos trilhos, a merenda fazia os alunos lamberem os beiços e a corrupção – o que é isso mesmo?  não passava de lenda urbana.

Mas, como nada é perfeito, nesse reino ainda faltava uma coisa importantíssima. Algo fun-da-men-tal para um reino que desejava alcançar o primeiro mundo e entrar no cobiçado G10, liderado pelo País das Maravilhas: um estádio de futebol digno de uma final de Copa do Mundo.

Estádio, não. Estádio era aquela quase-várzea recauchutada a míseras centenas de milhões para uns Joguinhos Pan-Americanos. Lata-velha sexagenária. Os donos do reino queriam mais: uma arena de última geração, com teto retrátil, poltronas reclináveis e ar-refrigerado. Tinha de ser moderníssima e  diziam com muito orgulho e amor  multiúso (embora alguns não soubessem listar ao menos três usos que justificassem o multi).

Para tanto, arrecadaram um bilhão de patacas reais e começaram a botar abaixo o velho Maraca, apelido carinhoso do  cá entre nós  simpático estádio. Alguns conselheiros do Partido do Contra até protestaram: "Estão estuprando um patrimônio histórico!". Mas o barulheco não foi tão poderoso quanto os tratores da demolição e a presença de espírito do Real Ministro dos Esportes, que encerrou o caso com poucas palavras:

"Jamais permitiríamos um atentado desses contra a moral e os bons costumes do reino. E se, ainda assim, um estupro tivesse acontecido, não poderíamos admitir um atentado mil vezes maior, de consequências inimagináveis para toda a nação: o aborto do nosso sonho mais intenso, de sediar uma final de Copa do Mundo. Que venha ao mundo cheia de saúde a novíssima arena".

E ela veio. Pela bagatela de dois bilhões de patacas reais.

No dia da tão aguardada final, milhares de súditos, cordiais e felizes para sempre, estiveram lá. E eu também, com meu liforme verde-e-amarelo, chapéu de palha, Anália a tiracolo e o brado retumbante... Aha! Uhu! O Maraca é nosso!

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Pontapé inicial

Não foi amor à primeira vista. Nem à segunda. Até os 11 anos uma partida de futebol era para mim tão interessante quanto a propaganda eleitoral gratuita, as aulas de matemática ou os legumes que mamãe queria porque queria que eu experimentasse. Meu negócio eram carrinhos, figurinhas, quadrinhos, pique-isso, pique-aquilo e a Xuxa.

Talvez a coisa que mais me aproximasse do mundo da bola fosse o meu time de botão, um autêntico Expresso da Vitória guardado a mil chaves numa caixa de margarina. Ou o meu pai, o Zé Gomes, ex-lateral direito dos melhores campinhos do subúrbio, um geraldino de coração imensamente feliz.

Mas um dia, lá pelos 12 anos, ouvi aquele velho rádio de pilha. No dia seguinte, de novo. E, no outro, mais uma vez. Tanta gente falando do jogo de ontem. Com alegria, entusiasmo, paixão. Como quem não quisesse ficar de fora do papo de amanhã, resolvi assistir à minha primeira partida inteiríssima, de noventa minutos mais os acréscimos. E acabei goleado pelo eternamente jovem esporte bretão.

Daí em diante não pendurei as chuteiras. Brasileirão, Alemão, Inglês, Espanhol, Italiano, Carioca, Paulista, Copa do Brasil, Libertadores, Liga dos Campeões... Sem falar da Copa do Mundo, aquele banquete servido apenas de quatro em quatro anos. Nos primeiros tempos, até um XV de Novembro e Novorizontino às dez da noite me encantava.

Claro, depois de quase vinte anos de poltrona e alguma arquibancada, fiquei mais seletivo, exigente, à espera do próximo golaço do Messi. Mas não menos apaixonado. Pelo jogo, pela arte, pela estratégia, pelo imponderável, pelo sobrenatural  pela rede que só aquela bola é capaz de balançar.

Por tudo isso, e pelo desejo de voltar a escrever, é que a partir de hoje entro em campo e me jogo de carrinho naquele papo sobre o jogo de ontem. Com a mesma alegria, entusiasmo, paixão que um dia aquele menino de 12 anos descobriu em seu velho rádio de pilha.