sexta-feira, 13 de maio de 2011

Maracangalha

Era uma vez um reino em que sorriam a ordem e o progresso. Nele abundavam empregos de carteira assinada, ruas asfaltadas, casas atendidas por rede de esgoto, leitos nos hospitais. O transporte público corria os quatro cantos sem sair dos trilhos, a merenda fazia os alunos lamberem os beiços e a corrupção – o que é isso mesmo?  não passava de lenda urbana.

Mas, como nada é perfeito, nesse reino ainda faltava uma coisa importantíssima. Algo fun-da-men-tal para um reino que desejava alcançar o primeiro mundo e entrar no cobiçado G10, liderado pelo País das Maravilhas: um estádio de futebol digno de uma final de Copa do Mundo.

Estádio, não. Estádio era aquela quase-várzea recauchutada a míseras centenas de milhões para uns Joguinhos Pan-Americanos. Lata-velha sexagenária. Os donos do reino queriam mais: uma arena de última geração, com teto retrátil, poltronas reclináveis e ar-refrigerado. Tinha de ser moderníssima e  diziam com muito orgulho e amor  multiúso (embora alguns não soubessem listar ao menos três usos que justificassem o multi).

Para tanto, arrecadaram um bilhão de patacas reais e começaram a botar abaixo o velho Maraca, apelido carinhoso do  cá entre nós  simpático estádio. Alguns conselheiros do Partido do Contra até protestaram: "Estão estuprando um patrimônio histórico!". Mas o barulheco não foi tão poderoso quanto os tratores da demolição e a presença de espírito do Real Ministro dos Esportes, que encerrou o caso com poucas palavras:

"Jamais permitiríamos um atentado desses contra a moral e os bons costumes do reino. E se, ainda assim, um estupro tivesse acontecido, não poderíamos admitir um atentado mil vezes maior, de consequências inimagináveis para toda a nação: o aborto do nosso sonho mais intenso, de sediar uma final de Copa do Mundo. Que venha ao mundo cheia de saúde a novíssima arena".

E ela veio. Pela bagatela de dois bilhões de patacas reais.

No dia da tão aguardada final, milhares de súditos, cordiais e felizes para sempre, estiveram lá. E eu também, com meu liforme verde-e-amarelo, chapéu de palha, Anália a tiracolo e o brado retumbante... Aha! Uhu! O Maraca é nosso!

Um comentário:

Fernanda Duarte disse...

Ah, sim, estarei lá, verdeamarelamente feliz e, por que não, patrioticamente envergonhada. Triste patriotismo o nosso que se resguarda para as festas, o patriotismo que "pega mal" quando manifesta, no meio do auriverdismo futebolístico, o luto pelos hospitais não feitos, pelas escolas não reformuladas (por dentro, por fora, por todos os ângulos), pelas leis não (re)construídas. Tristes patriotas todos nós, que só podemos ser patriotas na alegria. Uma certa melancolia europeia – olha que iria nos fazer bem.